Perfil

Diogo, jovem actor homossexual

“Acredito na educação pela naturalidade e não pelo ‘especial de corrida’ gay”

Diogo (nome fictício) tem 25 anos. É actor de teatro e estudante universitário, tendo, já, participado em peças de abordagem homossexual. Considera que o público não está preparado para aceitar conteúdos homossexuais e nem as televisões ‘procuram’ reproduzir a normalidade da identidade sexual. Daí que, a legalização do casamento, entre pessoas do mesmo sexo, iria, em seu entender, contribuir para uma mudança de olhares sobre os homossexuais.

Quando Diogo conseguiu dizer a alguém, pela primeira vez, que era gay, tinha dezoito anos. Nessa altura, havia ingressado no curso profissional de Interpretação. Estava a viver longe dos pais, o que “ajudou bastante no processo de auto-aceitação”, confessa o jovem, que não sabia o que era ser gay, até então. A forma que Diogo encontrara para colmatar o que pensava ser uma “deficiência”, serviu-lhe de motivação para ter sucesso noutras áreas: “Sempre reagi numa de querer ser sempre o melhor em tudo.” Hoje, com 25 anos, diz já não pensar daquela forma.
A coragem de assumir, admite que foi sendo um processo gradual: “As pessoas aceitaram bem e muitas delas já o sabiam ou pressentiam.” Na altura, só havia comunicado à mãe. Mais tarde, contou ao pai e aos irmãos: “O meu irmão mais novo tinha oito ou nove anos e sempre aceitou isso de maneira natural.” Quanto ao pai, revela ter sentido, por vezes, “uma hostilidade, quase não manifestada”. Diogo é o terceiro de cinco filhos, todos eles rapazes, e o único homossexual. Dos irmãos desconhece qualquer experiência afectiva, ressalvando o facto de as experiências homossexuais serem “normais” entre os adolescentes. Embora, “nenhum deles [me] tenha falado em namorados, por exemplo”, revela o jovem.
Na sua procura pela identidade sexual, Diogo “sempre que via algo relacionado com gays, achava que não tinha nada a ver” consigo, apesar de “saber profundamente que tinha muito a ver”. Pesquisava na Internet, mas não tinha conhecimento de “muitos” assuntos. Inclusive, na altura em que assumiu, desconhecia que, por exemplo, “numa relação anal, o lubrificante era importante.” Muitas das coisas diz tê-las aprendido na prática, no convívio com amigos que também eram gays e com namorados. Actualmente, no seu dia-a-dia, reconhece que se mantém “mais informado do que na altura”, fazendo da homossexualidade parte do seu “universo artístico intelectual e sensível”, mantendo contacto com as “Panteras Rosa” e outras associações e grupos LGBT. Contudo, considera que as associações e movimentos desse tipo “não funcionam bem” quando se tornam num gueto: “Pois não acredito em guetos gays.”
Acredita, sim, numa educação “mais abrangente e humanista”. Apesar de na educação escolar, diz, ter havido uma evolução na abordagem do tema, o estudante universitário pensa, ainda, não haver diálogo sobre a homossexualidade, de forma aberta e de igual para igual: “Deveria abordar-se a homossexualidade como se aborda a heterossexualidade.” O “bombardeamento” de modelos exclusivamente heterossexuais leva a que estudantes como ele se sintam “pouco à vontade” em ter um namorado: “A escola é, neste caso, o reflexo da mentalidade do nosso país.”
É por esses motivos que Diogo considera fundamental a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo: “Se não for o Estado a proclamar a igualdade, mesmo pela terminologia, ninguém vai ver as coisas pela igualdade, vão ver sempre pela diferença.” O reconhecimento pelo Estado, diz, iria fazer com que os outros olhassem para ele “como um cidadão igual.”
Já na escola primária, Diogo era acusado de ser algo que nem ele “sabia bem se era”. Quando andava na segunda classe, uma professora viu umas alunas do quinto ano a chamarem -no de “mariquinhas”. Pegou nele, foi à sala delas e “queria que lhes mostrasse a ‘pilinha’ para provar que era rapaz”, relembra o aluno. Acto que considera ser “nada pedagógico.”
Mas mesmo quando entrou para a escola de teatro, “apesar de parecer um ambiente mais aberto, causava estranheza o facto de [eu] ser abertamente gay”, explica o jovem actor, que já participou em algumas peças de teatro onde se abordava a homossexualidade. Em algumas delas, divulgadas em meios rurais, Diogo afirma que é frequente as pessoas “rirem-se, com nervos, nas cenas de relações entre dois homens, porque não estão habituadas.” Por outro lado, reconhece existirem projectos que abordam a homossexualidade, dirigidos a um outro tipo de público e “e que são aceites”.
Em relação à audiência infantil, Diogo julga não ter conhecimento de peça alguma, em Portugal, que inclua a homossexualidade, para este público. Nas peças infanto-juvenis, o problema, refere, reside no facto de se abordar frequentemente o mesmo tipo de temáticas, como a ecologia, por exemplo. Apesar disso, existem, indirectamente, personagens “um pouco femininas”, explica o actor, referindo-se à peça infanto-juvenil que está, de momento, a encenar: “A minha personagem é baseada, de certa maneira, na criança que eu era.” Em digressão pelo país, a personagem que Diogo interpreta, ainda que não explicitamente gay, não escapou aos comentários do público mais jovem: “Já cheguei a ouvir comentários do tipo ‘Bicha’, do público, e são crianças. O preconceito está em todo lado.”
Já na televisão, o panorama altera-se. As séries de ficção portuguesa, como “Morangos com Açúcar”, “Ninguém como tu” e “Podia acabar o mundo”, incluem, hoje, no seu elenco, papéis homossexuais ou episódios relacionados com a homossexualidade. Diogo chegou a entrar num episódio de uma série televisiva para adolescentes, mas não como personagem homossexual. De facto, o actor diz não ter conhecimento de a homossexualidade ter sido abordada ao longo da série. Contudo, quando o tema, nas referidas séries, é abordado, a sua opinião é a de que se deve encarar a homossexualidade de uma forma “mais natural”, e à semelhança do que já acontece nas telenovelas brasileiras: “Acredito na educação pela naturalidade e não pelo ‘especial de corrida’ gay.” O problema que detecta na generalidade da ficção nacional, sobre este tema, é o facto de estas se centram demasiado no conflito do que é ‘ser gay’, excluindo, do argumento, outros conflitos semelhantes aos de personagens heterossexuais: “A característica gay é a menos importante, não devendo ser a questão principal”. Diogo não esconde, contudo, o desejo de, um dia, vir a representar o papel de um homossexual, numa série de ficção que reproduza a naturalidade do tema.

Entrevista realizada por escrito, através do programa de conversação online, Windows Live Messenger®, no dia 20 de Maio de 2009.

Casamentos homossexuais | Universidade do Minho | Instituto de Ciências Socias | Ciências da Comunicação | Braga, 2009